Em 2013 escrevi o seguinte: “O Oscar é um prêmio político acima de tudo e, em último caso, não serve como parâmetro para avaliar a qualidade técnica e artística de um filme. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood mais errou do que acertou ao longo de sua história na entrega do prêmio; vários absurdos foram cometidos (exemplos :“Chicago”, “Shakespeare Apaixonado”, “Crash – No Limite” , “Quem quer ser um milionário” e “O Discurso do Rei” ganharam o Oscar de Melhor Filme nos últimos anos, alguns deles filmes medíocres e outros ruins, filmes que nem deveriam ser indicados para começo de conversa; diretores do calibre de Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick e Charles Chaplin, mesmo com várias obras-primas na carreira, não levaram sequer uma única estatueta de Melhor Diretor para casa; “Os Bons Companheiros” de Martin Scorsese – talvez o melhor filme da década de 90 – perdeu o Oscar em 1991 para o mediano “Dança com Lobos” de Kevin Costner; “Touro Indomável”, também dirigido por Martin Scorsese – considerado por mim e por muitos como o melhor filme da década de 80 – perdeu o Oscar para o filme “Gente como Gente”, filme hoje pouco lembrado, seja por cinéfilos, seja pelos críticos).”
Ao que parece, a história se repetirá no Oscar 2016: “Mad Max – Estrada da Fúria”, indiscutivelmente o melhor filme lançado em 2015, provavelmente não levará a estatueta para casa. O crítico Roberto Sadovski (que foi redator-chefe da revista “SET” por muitos anos) postou em seu blog os motivos do porquê “Mad Max: Estrada da Fúria” deveria ganhar o Oscar de melhor filme. Isabela Boscov (crítica de cinema da revista Veja) colocou, em seu blog, que “Mad Max – Estrada da Fúria” também deveria levar o Oscar de melhor filme. Entretanto, as premiações anteriores ao Oscar 2016 (os chamados prêmios dos Sindicatos) indicam que o filme de George Miller será ignorado, visto que “O Regresso”, “Spotlight” e “A Grande Aposta” são os favoritos para o Oscar de melhor filme.
Está ficando cada vez mais comum a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood premiar filmes que brevemente serão esquecidos pelo público e crítica em detrimento de filmes que possuem todos os ingredientes para sobreviver ao maior teste de todos: o tempo. “Mad Max – Estada da Fúria” é o melhor filme de ação desde “Matrix”, de 1999; já nasceu clássico e com certeza será discutido e lembrado por muitos anos ainda,servindo, assim, de influência para vários filmes no futuro.
Em razão dos constantes erros perpetrados no Oscar, resolvi analisar onze anos da premiação de Melhor Filme, apontando qual filme naquele ano deveria ser o vencedor (só uma única vez – isso mesmo – uma vez ao longo de onze anos o prêmio foi dado para o filme correto!). Há casos em que o melhor filme nem estava entre os indicados. Peço que depois comparem a minha lista dos melhores filmes com a lista dos reais vencedores e percebam o abismo de qualidade existente entre alguns.
Abaixo, a análise do Oscar de Melhor Filme de 2006 a 2010.
- Oscar 2006
– Indicados: “Boa Noite, Boa Sorte”, “Capote”, “Crash – No Limite”, “O Segredo de Brokeback Mountain” e “Munique”
– Quem venceu: “Crash – No Limite”. Filme completamente esquecível que se espelhou nos filmes que Alejandro González Iñárritu vinha realizando com o roteirista Guillermo Arriaga (vários personagens com histórias que se intercruzam ao longo do tempo – como por exemplo: “Amores Brutos”,”21 Gramas” e “Babel”) .
– Quem deveria vencer: “Munique”. Melhor filme que Steven Spielberg realizou nos anos 2000. Só este fato já quer dizer muita coisa.
- Oscar 2007
– Indicados: “A Rainha”, “Babel”, “Pequena Miss Sunshine”, “Cartas de Iwo Jima” e “Os Infiltrados”
– Quem venceu: “Os Infiltrados”. Apesar de Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood ter ignorado Martin Scorsese em “Taxi Driver”, “Touro Indomável” e “Os Bons Companheiros”, finalmente eles se redimiram ao premiar o filme e o diretor em 2006. “Os Infiltrados” é a refilmagem de “Conflitos Internos”, filme policial produzido em Hong Kong em 2002. Scorsese consegue superar o original em todos os aspectos e entrega um dos grandes filmes policiais da última década com excelentes atuações de Leonardo DiCaprio, Matt Damon, Mark Whalberg e Jack Nicholson (que, diga-se de passagem, foi completamente ignorado na categoria de ator coadjuvante naquele que deveria ter sido seu quarto Oscar).
– Quem deveria vencer: “Os Infiltrados”. Única vez que Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood acertou nos últimos dez anos.
- Oscar 2008
– Indicados: “Juno”, “Onde os Fracos Não Tem Vez”, “Conduta de Risco”, “Desejo e Reparação”, “Sangue Negro”.
– Quem venceu: “Onde os Fracos Não Tem Vez”. Este é um excelente filme dos Irmãos Coen com uma grande interpretação de Javier Bardem. Espécie de western moderno e alegoria sobre a violência, “Onde os Fracos Não Tem Vez” é um filme interessado em analisar a degradação da sociedade, na qual um mal que chega sem motivo, de lugar desconhecido (representado pelo Anton Chigurh de Bardem) desafia a compreensão daqueles que não conseguem acompanhar os novos tempos (no caso, o xerife interpretado por Tommy Lee Jones). É um filme denso, aberto a diversas interpretações e que merecia o Oscar de Melhor Filme caso não estivesse concorrendo com o melhor filme norte-americano lançado nos anos 2000.
– Quem deveria vencer: “Sangue Negro”. Obra-prima de Paul Thomas Anderson, este é o melhor filme que vi em uma sala de cinema e o melhor filme norte-americano lançado nos anos 2000. Esta não é apenas minha opinião, como a de diversos críticos, algo que esta pesquisa deixa bem claro. Comparado a “Cidadão Kane” no ano de seu lançamento, o filme conta a trajetória do magnata do petróleo Daniel Plainview, intepretado por Daniel Day-Lewis em uma das melhores atuações da história do cinema. “Sangue Negro” é um filme perfeito e deveria ter levado, em 2007, além do Oscar de Melhor Ator e Melhor Fotografia, os Oscars de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Montagem.
- Oscar 2009
– Indicados: “Quem Quer Ser Um Milionário”, “Milk – A Voz da Igualdade”, “O Curioso Caso de Benjamin Button”, “Frost/Nixon”, “O Leitor”.
– Quem venceu: “Quem Quer Ser Um Milionário”. Este é um dos piores filmes a vencer o Oscar de Melhor Filme ao lado de “Shakespeare Apaixonado” e “Crash – No Limite”. O Oscar de 2009 foi um dos piores já realizados, pois, à exceção de “Frost/Nixon”, nenhum dos filmes merecia estar concorrendo. Filmes como “Batman – O Cavaleiro das Trevas” de Christopher Nolan, “Amantes” de James Gray, “Gran Torino” de Clint Eastwood e “Foi Apenas um Sonho” de Sam Mendes deveriam ser indicados.
– Quem deveria vencer: “Batman – O Cavaleiro das Trevas” (que não foi nem indicado). O filme de Christopher Nolan foi, ao lado de “Wall-E” (animação da Pixar), o melhor filme lançado em 2008. Nolan bebeu na fonte dos filmes noir da década de 40 e 50 e em grandes filmes policiais norte-americanos (notadamente “Fogo Contra Fogo” de Michael Mann) para criar uma obra-prima do cinema policial e o melhor filme baseado em um personagem dos quadrinhos até hoje. A atuação magistral de Heath Ledger como Coringa foi premiada, mas o filme merecia vencer também os Oscars de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Montagem, Melhores Efeitos Visuais, Melhor Fotografia, Melhor Som, Melhor Direção de Arte, Melhor Trilha Sonora (a que também não foi indicado) e Melhor Som (venceu na categoria Melhor Edição de Som, mas perdeu para Melhor Som para “Quem Quer Ser Um Milionário”). É inacreditável que um filme deste calibre tenha ganhado apenas 2 Oscars enquanto que “Quem Quer Ser Um Milionário” levou 8! A revolta do público e da crítica foi tão grande pelo fato de a Academia ter ignorado “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, que no ano seguinte ampliaram o número de indicados de 5 para 10. Como veremos, isto não surtiu muito efeito na hora de escolher os vencedores.
- Oscar 2010
– Indicados: “Bastardos Inglórios”, “Avatar”, “Guerra ao Terror”, “Distrito 9”, “Amor Sem Escalas”, “Um Homem Sério”, “Educação”, “Um Sonho Possível”, “Up – Altas Aventuras”, “Preciosa – Uma História de Esperança”.
– Quem venceu: “Guerra ao Terror”. O filme de guerra da diretora Kathryn Bigelow é muito bom, mas em um ano em que se tem “Bastardos Inglórios” e “Avatar” não dá para premiar um filme menor. Além disto, este é mais um daqueles casos em que se premia a pessoa (ator, diretor, etc.) no ano errado, como veremos mais a frente, pois Bigelow também levou a estatueta de Melhor Diretor para casa.
– Quem deveria vencer: “Bastardos Inglórios”. A Academia perdeu uma grande chance de premiar Quentin Tarantino em 2010. “Bastardos Inglórios” é o melhor filme do diretor desde “Pulp Fiction”. É um filme que, ao mesmo tempo que homenageia o Cinema (a arte), utiliza uma sala de cinema como instrumento para a morte de uns dos mais odiados personagens da história humana. Tarantino apresenta aqui um controle de câmera invejável (com diversas referências a Sergio Leone – sobretudo na abertura) e um trabalho de tempo/ritmo nas ações e diálogos que só os melhores diretores possuem. Há várias cenas memoráveis (o personagem de Brad Pitt tentando falar italiano é hilário! Buongiorno! Gorlami! Arriverdeci! ) e o Coronel Hans Landa de Christoph Waltz é um dos grandes vilões do cinema da última década.